O Exorcista teve problemas como a censura e demorou para ser lançado no Brasil.
O clássico filme de terror O Exorcista, dirigido por William Friedkin, até hoje é visto como um dos maiores ícones do gênero e por anos foi apontado como o melhor filme de terror já produzido. Um sucesso de crítica e público não apenas pela qualidade inquestionável da película, mas também por toda a publicidade sensacionalista em torno dela.
O Exorcista teve um público memorável nos cinemas, no entanto, a mesma plateia escandalizada chegava a vomitar, desmaiar ou ainda abandonar as salas de projeção antes do filme terminar. A imprensa da época divulgava que os acidentes nos sets de filmagens eram coisas do demônio e não havia outra explicação para tanta tragédia.
Cada caso isolado de alguém passando mal no cinema, era muito bem repercutido e isso sem dúvida causou um choque instantâneo ajudando a propagar mais ainda o nome da produção.
Talvez um dos fatores que realçou o pavor por trás do filme foi o fato dele ter sido inspirado em um exorcismo real realizado em uma jovem de Cottage City, Maryland, em 1949, pelo padre jesuíta William S. Bowdern, que antes tinha ensinado nas Universidade de St. Louis e St. Louis University High School. A família Hunkeler, que era católica, estava convencida de que o comportamento agressivo que a criança apresentava era ocasionado por uma possessão demoníaca, solicitando em seguida o exorcismo conduzido por Bowdern.
A verdade é que o filme ser inspirado numa história real contribuiu e muito para ele alcançar exatamente o sucesso pretendido pela Warner. Claro que a obra de Friedkin não se sustentaria se não houvesse a exuberante fotografia, um roteiro muito bem idealizado, uma trilha sonora de arrepiar e excelentes performances. Como resultado levou os Oscars de melhor roteiro adaptado e melhor som e foi indicado em outras oito categorias: melhor filme, melhor diretor, melhor atriz (Ellen Burstyn), melhor ator coadjuvante (Jason Miller), melhor atriz coadjuvante (Linda Blair), melhor edição, melhor fotografia e melhor direção de arte.
Chegada à televisão brasileira.
Talvez por todo esse clima pesado em torno da obra prima de Friedkin, ela encontrou tantos problemas para ser exibido na televisão brasileira, primeiro com a censura para a TV, que o engavetou sem cerimônia, depois passado mais de uma década e já reprisado em várias salas de cinema, pela falta de interesse das emissoras em adquiri-lo.
Até que o SBT conseguiu os direitos de transmissão junto a Warner anunciando com muito entusiasmo a exibição do filme em 1989. Comerciais longos afirmavam “você nunca sentiu tanto medo“, “…no filme que deu origem a espantomania“. Depois houve a inserção de cenas na vinheta de atrações da emissora e comerciais dentro do Programa Silvio Santos com o apresentador perguntando: “o filme é bom ou não é Lombardi?“. Antes porém, o canal exibiu exaustivamente o genérico A Morte do Demônio ao longo daquele ano.
Até que finalmente pintou o comercial convidando os telespectadores para vê-lo no dia 10 de maio de 1989. Mas Silvio Santos resolveu segurá-lo um pouco mais, não queria queimar sua atração especial bem no dia do jogo amistoso Brasil e Peru que seria transmitido pela Rede Globo, então os espectadores frustrados que ligaram a TV naquela noite viram Grito do Horror (The Howling) exibido no lugar da atração anunciada. O Exorcista foi mostrado então só uma semana depois, quando finalmente teve sua exibição no dia 17 de maio de 1989 às 21h30 dentro do Cinema em Casa.
Evidentemente o filme foi totalmente picotado, e com uma dublagem que suavizou demais os palavrões contidos nele.
As quatro dublagens.
A primeira dublagem foi realizada pela Herbert Richers e contou com vozes primorosas como as de Ilka Pinheiro, Miriam Ficher, Orlando Drummond e Newton Da Matta encabeçando o elenco. Considerada clássica pelos fãs, a primeira dublagem que também foi exibida na TV Paga, criou um efeito eletrônico para distorcer a voz da dubladora Nelly Amaral, tanto que tornou complicado a identificação dessa profissional.
Naturalmente o trabalho de tradução atenuou algumas expressões mais pesadas, como na cena em que Regan se masturba com um crucifixo e a frase original proferida pela menina é “let Jesus fuck you”, na primeira dublagem foi pronunciada simplesmente como: “Jesus contra você!”, algo que tirou grande parte do sentido da cena.
Na década de 1990 o filme foi reprisado nas madrugadas da Rede Globo, mas aparecia com outra dublagem, também realizada pela Herbert Richers. Essa teve a missão de suavizar ainda mais os diálogos carregados, assim expressões como “Foder” foram trocadas para “Deflorar”. Ilka Pinheiro que havia feito Chris MacNeil na primeira dublagem se encarregou de dar voz ao Demônio, quase sem nenhum efeito eletrônico, apenas se valendo de seu talento e voz naturalmente rouca.
Já nos anos 2000, O Exorcista foi lançado com 11 minutos adicionais, numa obra intitulada “Versão do Diretor” e teve que receber uma nova dublagem. Essa, gravada pelo estúdio Wan Macher, foi a mais fiel adaptação aos diálogos originais. Alguns palavrões foram mantidos e o elenco bem escolhido como Da Matta ainda no papel de Karras, Vera Miranda, que fez Chris MacNeil na segunda dublagem da Herbert foi mantida fazendo a personagem e o excelente Isaac Bardavid substituindo Orlando Drummond no papel do Padre Exorcista.
A dublagem da Wan Macher ficou tão boa que a Warner não apenas exibiu em televisão como a utilizou em Blu-Ray. No entanto, a voz usada para o Demônio foi considerada charmosa demais e assustadora de menos na interpretação de Maurício Berger, então o estúdio precisou gravar uma segunda dublagem para a exibição em avião, mixando apenas outra voz do Pazuzu, escolhendo Silvio Navas para interpretar o personagem.
Ao longo dessas dublagens procuraram diversas formas de conseguir na voz do Demônio o mesmo efeito encontrado no idioma original. Foram usados recursos técnicos, escalações de dubladores com vozes graves e ainda assim não se conseguiu um bom resultado em todos os casos. Mercedes McCambridge alcançou o efeito na versão original usando ovos crus e uísque.
Porém, uma coisa essas quatro adaptações para português têm em comum, elas ajudam esse extraordinário filme a continuar até hoje metendo medo em muita gente.