Nizo Neto e Duda Ribeiro protagonizaram com perfeição os irmãos Wayans e suas versões das irmãs Wilson.
O Segredo do Sucesso no Brasil.
As Branquelas tinha tudo para não emplacar no Brasil. Mesmo arrecadando 19,7 milhões de dólares apenas no seu final de semana de abertura, o trabalho dirigido e coescrito por Keenen Ivory Wayans chegou por aqui bombardeado pela crítica mundial, principalmente por não oferecer nada de inovador na sátira aos gêneros “brancos” ou na premissa da troca de sexos.
Protagonizado por Shawn Wayans e Marlon Wayans, o longa White Chicks (título original) mostra dois irmãos, agentes do FBI, que recebem como castigo, por terem deixado traficantes escaparem numa missão desastrosa, a incumbência de proteger duas socialites de um atentado. Porém, no trajeto ocorre um acidente de carro provocando um arranhão no nariz de uma e um corte no lábio da outra, o que é considerado um desastre para as duas que não querem aparecer com cicatrizes em público. Desesperadas, elas se recusam a ir ao evento. É quando, para salvar o emprego, Marcus (Marlon Wayans) e Kevin (Shawn Wayans) decidem assumir as identidades das irmãs, usando máscaras e próteses. A partir de então começa a confusão dos agentes em tentarem parecer dondocas mimadas, mas sem conseguir se desagarrar do jeitão despachado que possuem.
Lançado em 2004, o filme explorou temas como classes sociais, gênero, raça, deficiência, idade, mas os retratou com lentes que hoje seriam facilmente canceláveis. Ainda assim, até hoje, As Branquelas é uma produção amada pelo público brasileiro, que repete nas redes sociais frases da produção e alguns fãs chegam a decorar cenas dela. Qual seria o segredo que fez o filme encontrar no Brasil um dos seus públicos mais fiéis?
O longa tem a seu favor os excelentes Shawn e Marlon Wayans, ambos em atuações muito sólidas e que no Brasil ganharam um jeitão brasileiro, quando foram adaptados pelos dubladores Duda Ribeiro e Nizo Neto. Então a resposta para parte dessa excelente repercussão alcançada pelo filme por aqui seria a dublagem? Não se pode garantir, mas dificilmente alguém que cultua o filme no Brasil o tenha visto em seu idioma original.
Fã de As Branquelas, a advogada paulistana Marina Lopez, 26 anos, afirma: “já assisti ao filme mais de 20 vezes, sei muitas falas decoradas e acho que toda a graça dele está na dublagem brasileira.” Iguais a Marina muitos outros fãs da produção garantem que sem as vozes de Duda Ribeiro e Nizo Neto a graça não seria a mesma e o impacto ao assistir legendado cairia pela metade.
A estudante fluminense de 20 anos, Tatiane Ramalho, garante que chora de rir em algumas cenas onde os dubladores principais precisam mudar as vozes para se passar pelas patricinhas. “Eles fazem isso várias vezes no filme, uma hora falam como os policiais, outra se passando pelas irmãs Wilson, em outro momento disfarçados de mexicanos. Tudo muito engraçado e perfeito! E só usam a voz pra isso!”, exclama a estudante.
RECADINHO DAS IRMÃS WILSON
Nizo Neto
Duda Ribeiro
“Sua mãe é tão velha que sai leite em pó das tetas dela!”
Tendo estreado no Brasil dois meses após seu lançamento nos Estados Unidos, as cópias no cinema de As Branquelas não saíram dubladas, já que naquela ocasião não era comum encontrar versões em português nas telonas.
A dublagem do filme foi realizada em 2005 pela Cinevídeo primeiramente para DVD e depois usada quando o filme estreou na televisão no dia 14 de maio de 2007, dentro da Tela Quente (Globo). O trabalho de adaptação para português também pode ser ouvido na TV Paga e nos streamings: Netflix, Amazon Prime Video e Telecine Play.
A tradução de Mário Menezes adaptou uma série de diálogos à realidade brasileira. Já que o roteiro menciona personalidades americanas, a dublagem brasileira traz personalidades nacionais, como na cena em que uma das amigas das patricinhas está provando roupas e Brittany grita: “Vou chamar alguém para te ajudar. Hebe Camargo, gracinha, cadê você?”.
Claro que toda a adequação dos diálogos ao universo tupiniquim, só foi possível graças à liberdade dada pelo diretor de dublagem Jorge Vasconcellos, que executou o trabalho com leveza. “Ele deixou a gente totalmente à vontade, pra improvisar, pra botar caco”, afirma Nizo Neto a voz do Marcus. Duda Ribeiro, dublador do Kevin reforça: “A direção dos Vasconcellos foi fundamental para o resultado que a gente teve nas Branquelas.”
A DIREÇÃO
"Ele deixou a gente totalmente à vontade pra fazer o que a gente quisesse, logicamente nos direcionando pelo caminho certo."
"Sem o Jorge Vasconcellos ou sem um diretor com essa pegada, com certeza o filme não teria ficado o que é. Muito grato pela direção..."
Nizo Neto
Duda Ribeiro
Nizo Neto já tinha emprestado sua voz ao ator Marlon Wayans em Réquiem para um Sonho (2001), trabalho pelo qual o americano recebeu a indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e dublado permaneceu com muita qualidade; mas o tom cômico de Nizo fazendo Wayans foi visto realmente com eficácia ao dublar o personagem Darryl Witherspoon em Sem Sentido (1998). Até ali, o dublador Jorge Lucas era a voz brasileira com mais trabalhos realizados para o ator.
Do outro lado, Shawn Wayans recebeu no Brasil a dublagem de Duda Ribeiro que havia emprestado sua voz ao ator em Todo Mundo em Pânico (2000) e Todo Mundo em Pânico 2 (2001). Na ocasião em que foi chamado para atuar em As Branquelas, Duda tinha sido a voz mais frequente do ator no Brasil.
Apesar de experientes dubladores, ambos tinham ainda um desafio ao atuar em As Branquelas: era necessário sim manter o ritmo cômico da dupla de protagonistas, com todos os trejeitos malandros e o tempo certo para as piadas, mas na personificação feminina dos personagens precisariam parecer naturais, fugir das caricaturas afeminadas, a exemplo do que Marlon e Shawn fizeram na versão original. “Tentar reproduzir na voz, um jeito de falar, uma menina, é um megadesafio. É uma loucura tentar emular isso! Foi muito desafiador”, comenta Duda.
O DESAFIO
"Você tem que tomar cuidado pra não acontecer aquilo que às vezes acontece na dublagem que é você querer ser mais engraçado que o original."
"Tentar reproduzir na voz, um jeito de falar, uma menina, é um megadesafio. É uma loucura tentar emular isso! Foi muito desafiador."
Nizo Neto
Duda Ribeiro
O resultado de alguns dias de gravações é que ambos dubladores entregam atuações convincentes, engraçadas pelas situações que o filme apresenta, e não por soarem inverossímeis e caírem no ridículo.
Além desse empenho, a dupla não deixou de oferecer um tom esnobe, típico das patricinhas Wilson copiadas no filme, nesse ponto precisariam sim parecer caricatos, e inclusive aqui são irretocáveis.
Sobre as dificuldades por trás da dublagem do filme realizando um trabalho tão complexo, Nizo comenta: “Você tem que tomar cuidado pra não acontecer aquilo que às vezes acontece na dublagem que é você querer ser mais engraçado que o original.”
O filme já começa com uma brilhante performance da dupla de dubladores que precisa fazer dois policiais canastrões se passando por comerciantes mexicanos. Enquanto mandam um sotaque espanhol forçado, regado com frases típicas do México, eles mantém o ritmo ágil dos irmãos Wayans, falando rapidamente afim de ludibriar os supostos traficantes. Nessa cena o destaque fica por conta de Duda usando um timbre de voz bem fininho e extremamente engraçado.
Na sequência é a vez de Nizo Neto dublar a cena em que Marcus Anthony chega em casa e precisa fingir que não está com sono, então nos oferece uma mistura de apagões, roncos, voz sonolenta e desculpas à esposa, numa performance sensacional.
COMO NÃO RIR?
"A gente se diverte quando faz um filme desse. É um filme muito surreal, completamente inverossímil."
"Tem uma cena que ele está vestindo uma calça que é muito apertada, aquela cena pra mim é muito engraçada."
Nizo Neto
Duda Ribeiro
Quando apresentados fazendo os personagens com perucas e máscaras, agora dublados num tom mais agudo, num piscar de olhos o público já está se divertindo com expressões como: “a bunda da sua mãe é tão cabeluda que parece até o King Kong abrindo a janela e dizendo: ‘oi gente!’” ou “sua mãe é tão burra que foi fazer um Papanicolau com um papa!”. Sim, a grande graça para o público brasileiro está na dublagem, tão eficiente que nos envolvemos facilmente com a graça do filme sem nos darmos conta que estamos vendo dublado.
Mas a dublagem não seria memorável até hoje se o time coadjuvante de vozes também não funcionasse tão primorosamente. Mauro Ramos faz o Chefe Elliott Gordon (Frankie Faison), com a qualidade natural de seus trabalhos; as irmãs Flávia Saddy e Fernanda Baronne interpretam a dupla também de irmãs Brittany e Tiffany Wilson (Maitland Ward e Anne Dudek) e oferecem a entonação da patricinha pedante que será causticada nas atuações de Nizo e Duda; temos ainda irretocáveis Clécio Souto como Agente Especial Jake Harper (Lochlyn Munro) e Hélio Ribeiro fazendo o Agente Especial Vincent Gomez (Eddie Velez).
Uma das cenas mais marcantes do filme é protagonizada por Latrell Spencer (Terry Crews), um jogador de basquete que se apaixona por Tiffany e antes dele levá-la para jantar revela que ama a canção A Thousand Miles de Vanessa Carlton. Apesar de Márcio Simões não cantar nessa cena, em todo o resto do filme sua voz veste perfeitamente o ator Crews, com muita graça e estilo conquistador barato.
O SUCESSO DA DUBLAGEM
"Isso é muito gratificante. Sou parado na rua, muitas vezes para pedir para tirar foto comigo por causa das Branquelas."
"Quando a gente tem esse resultado é tão gratificante. E uma obra que já tem tantos anos é tão marcante e tão emblemático."
Nizo Neto
Duda Ribeiro
Os primeiros boatos sobre As Branquelas 2 surgiram em 2009, depois que o longa-metragem de 2004 se tornou cult no Brasil. A tentativa inicial acabou cancelada pela Sony em pouco tempo, e o próprio Marlon não pareceu ter certeza sobre sua vontade de reprisar o papel, tendo confirmado a possibilidade em 2014.
A notícia voltou a circular em meados de 2019, quando Terry Crews – também presente no elenco original – revelou que a segunda parte estava em desenvolvimento. Mas, na ocasião, Marlon garantiu que nenhum acordo havia sido firmado com a Sony. Em 2021, o astro chegou a declarar que uma sequência seria “necessária” para Hollywood, o que vai de encontro à sua mais recente fala.
O fato é que se uma sequência for lançada, quando chegar ao Brasil, os dubladores Nizo Neto e Duda Ribeiro estão prontos para reeditar suas performances nas vozes dos irmãos Wayans, mas isso não garante a escolha de ambos para os papeis. O mercado de dublagem brasileiro é muito incerto e o cliente responsável por contratar a dublagem pouco leva em consideração a memória afetiva dos fãs ou a qualidade de um trabalho anterior.
Para os fãs brasileiros de As Branquelas, resta torcer para que sua sequência seja produzida e se isso acontecer iniciar uma campanha para que não apareça nenhuma surpresa negativa na escala dos dubladores.