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Por Trás da Dublagem: Carrossel, uma verdadeira escola de dublagem.

Marlene Costa ajudou a popularizar a Professora Helena no Brasil. Fez mais do que isso, ela foi professora de verdade no estúdio.


No início da década de 1990 uma telenovela infantil conseguiu o que poucas produções até hoje já alcançaram, sacudir a audiência da Rede Globo. Trata-se de Carrossel, uma produção da mexicana Televisa, de 1989.

Através da convivência diária no Colégio Mundial, uma turma de crianças descobria os prós e os contras da vida e procurava resolver seus problemas com alegria e descontração. A doce Helena (Gabriela Rivero), desde que assumiu seu posto como professora da turma do segundo ano, encantou a todos pela dedicação com os alunos. Além de ensinar as matérias disciplinares, ela se envolvia com as alegrias e dificuldades das crianças e de seus familiares.

Entre os alunos do Colégio Mundial estavam: a romântica e gulosa Laura (Hilda Cavez) que sempre desabafava num suspiro: “isso é tão romântico!”; o espevitado Kokimoto (Yoshiki Taquiguchi), com sua faixinha de caratê amarrada na cabeça; a meiga Marcelina (Georgina Garcia); o pobre alvo de preconceitos Cirilo (Pedro Javier Viveros), que depois de ser caçoado explicava: “eu só quis dizer!”; o calmo Davi (Joseph Birch); Jaime Palilo (Jorge Granillo), o gordinho de coração enorme que dizia: “que droga de cabeça!”.

Ainda na escola tínhamos Carmem (Flor Eduarda Gurrola) a menina estudiosa que sofria com a separação dos pais; Mario (Gabriel Castarion) que chegou à escola bem agressivo mas com a ajuda de todos e do cão Rabito passou a ser um menino melhor; Paulo (Mauricio Armando), irmão de Marcelina que vivia aprontando confusões; Adriano (Manuel Fernández) que passava o seu tempo no mundo da lua; Bibi (Karen Nisenbaum), a descendente de americanos; e a esnobe e rica Maria Joaquina (Ludwika Paleta) que humilhava o pobre Cirilo, rejeitava o amor do garotinho por ela e dava importância às coisas pequenas como se vangloriar do sobrenome Villaserior.


 

Sucesso de audiência.


Carrossel chegou ao Brasil quando o SBT enfrentava uma séria crise, não pelas novelas, mas por um conjunto de programas problemáticos. Foi quando a emissora apostou em mais uma produção da Televisa, pagando 300 mil  dólares pela novelinha, que veio a ser então o maior sucesso em termos de produções mexicanas já exibidas no Brasil até aquele momento. Foi a primeira novela estrangeira a balançar a audiência da Globo, que na época exibia o fracasso O Dono do Mundo e se viu apavorada por uma produção “pobre e malfeita”, como eles julgavam ser Carrossel, sendo obrigada a espichar o Jornal Nacional de 30 para 50 minutos.

Carrossel, sucesso que balançou a liderança da Globo.

Antes de Carrossel estrear, o SBT tinha 6% da audiência no horário, contra 54% para o Jornal Nacional. Após a novelinha mexicana entrar no ar, a plateia do SBT atingiu a faixa dos 21 pontos, enquanto a da concorrente caiu para 41, números que se intensificaram ao longo da exibição da novela mexicana. Quinze dias apenas depois de sua estreia, Carrossel produziu a mais espetacular reviravolta da televisão brasileira até aquela ocasião, uma virada mais profunda que a de Pantanal na Rede Manchete, e tudo isso sem mostrar os adereços usados pela Globo para atrair seu público, como mulheres sensuais, luxo, cenas de violência, nudez ou palavrões.

O segredo do sucesso de Carrossel na verdade não era nenhum segredo. Num horário dominado por atrações oferecidas aos adultos, era uma novela para crianças, interpretada por crianças. Os institutos de pesquisa confirmam aquilo que qualquer pai e mãe já pôde constatar por experiência própria. No horário das 20h, são os filhos que têm o direito de brigar para assistir ao programa de sua preferência e numa época onde não era comum mais de uma TV por residência isso tornou-se o diferencial. Além disso, Carrossel apresentava diálogos que iam direto ao ponto, mostrando o caráter de cada personagem bem definido, dessa forma, desde sua primeira aparição o personagem bom era bom e o mau era mau. A telenovela foi a primeira não brasileira a concorrer o Troféu Imprensa, mas recebeu um único voto do jornalista e crítico de TV Leão Lobo.

 

Uma Escola de Dublagem.


Quando a novela chegou ao Brasil, o SBT enviou para o estúdio da Tijuca, Herbert Richers, a incumbência de dar vozes brasileiras à garotada mexicana. O Sr. Herbert entregou à Marlene Costa o desafio de dirigir e dar a voz da Professora Helena, o que no primeiro momento foi encarado como um desafio, pois na época se dublava todos juntos, e Marlene não sabia como conciliaria as duas funções.

Marlene iniciou a escolha das vozes, mas tinha outra dificuldade: Silvio Santos exigia que o elenco infantil da novela recebesse vozes de crianças. Naquele momento, criança dublando era algo não muito comum, apesar da Herbert Richers já possuir alguns nomes infantis atuando no mercado, introduzidos principalmente pelo diretor Telmo Avelar e pela série Bill Cosby, onde Marlene já tinha dado oportunidade a nomes como os de Peterson Adriano e Fernanda Baronne.

O falsete era uma alternativa ainda presente nas vozes de personagens infantis, dessa forma, o número pequeno de crianças atuando forçou MarIene a buscar alternativas fora do mercado.

Jomery Pozzoli, a voz do saudoso Firmino, mesmo quando mudou o ator.

Apenas cinco crianças tinham alguma experiência com dublagem, o restante do elenco foi sendo montado com filhos de funcionários da Herbert Richers e colegas de escola das filhas de Marlene. “Eu me senti muito realizada em dar uma profissão a tantas crianças. Hoje a maioria está casada, com filhos, são diretores de dublagem, excelentes profissionais, isso me deixou muito feliz!”, declara Marlene.

Cleonir Santos era o único adulto dublando, mas Silvio Santos nem notou, afinal o ator sempre teve uma voz muito jovial. O restante do elenco era recheado por grandes nomes da dublagem como Jomery Pozzoli, Célia Guimarães, Sônia de Moraes, Sumára Louise e Hamilton Ricardo.

O trabalho era intenso, mas havia uma entrega muito grande por parte dos profissionais envolvidos, que nem sentiam as horas passarem dentro do estúdio. “Eu tinha crianças que mal sabiam ler. Muitas eu dava o texto para que levassem pra casa pra bater com os pais”. Numa época de pouca tecnologia na dublagem, o sincronismo era feito com muito esforço, e Marlene tinha que ao mesmo tempo interpretar a Professora Helena e ser professora de verdade no estúdio, ensinando a criançada a dublar.

O estrondoso sucesso de Carrossel repercutiu também no seu processo de dublagem. Marlene Costa conta: “eu sempre separei muito isso das crianças, não deixava que elas ficassem muito deslumbradas. Eu sempre dizia que a nossa realidade era que elas não seriam reconhecidas”. Mas não teve jeito, a imprensa também focou seu olhar nos pequenos dubladores que logo estavam dando entrevistas, saindo em jornais e revistas da época. Os pais enviavam cartas ou ligavam na Herbert pedindo para que a Professora Helena falasse com seus filhos dando conselhos para se alimentar direitinho ou estudar, e Marlene sempre atendia às solicitações gentilmente. As crianças também acolhiam com todo carinho os fãs que as procuravam.

O elenco de dublagem foi a São Paulo gravar vários comerciais da Pullman e fizeram um programa do Silvio Santos. O apresentador chegou a entrevistar a atriz Gabriela Rivero e solicitou a dublagem de Marlene Costa, que preferiu não aparecer para não estragar a ilusão das crianças, pois para os pequenos telespectadores a imagem era da atriz mas a voz era da Marlene.

O que realmente incomodava todos eram as criticas negativas à dublagem, pois a imprensa na época, uma vez que os holofotes estavam sobre Carrossel, também não poupou o trabalho de adaptação para o português, queixando-se da sincronia e más atuações. “Quando chegava na televisão o departamento de propaganda, inseria entre os intervalos os comerciais e não sei como eles tiravam a nossa dublagem de lugar porque saía de dentro do estúdio quase que perfeita”, afirma Marlene Costa. A dublagem do último capítulo levou todo o elenco a um momento emocionante. Muitos choravam no estúdio, num clima de despedida que mexe com o emocional de Marlene até hoje ao recordá-lo.

Marlene Costa (Professora Helena) e suas filhas Flávia Saddy (Alícia) e Fernanda Baronne (Valéria).

Depois da novela a diretora acabou se tornando referência para conduzir dublagens que necessitassem de um grande elenco infantil. Esteve à frente da dublagem de Um Tira no Jardim de Infância, Carrossel das Américas, Viva Criança – Carrossel 2, entre outras, sempre trazendo novos dubladores mirins. Dessa forma, contribuiu bastante para que os falsetes infantis fossem desaparecendo, dando lugar às vozes realmente de crianças. Por isso, ministra até hoje aulas de dublagem para os pequeninos.

Com uma professora dessas, Carrossel só poderia ter representado a excepcional escola de dublagem que representou.

Elenco de dublagem:


Gabriela Rivero
(Prof. Helena Fernández)
Marlene Costa

Maria Joaquina Villaseñor
(Ludwika Paleta)
Adriana Torres

Cirilo Rivera
(Pedro Javier Viveros)
Gabriela Bicalho

Valeria Ferreira
(Krystel Klithbo)
Fernanda Baronne

Jaime Palillo
(Jorge Granillo)
Gabriel Teller

Laura Quiñones
(Hilda Chavéz)
Ana Lúcia Menezes

Carmen Carrillo
(Flor Eduarda Gurrola)
Mariana Torres

Paulo Guerra
(Mauricio Armando)
Peterson Adriano

Davi Rabinovich
(Joseph Birch)
Robson Richers

Mário Ayala
(Gabriel Castañon)
Cleonir dos Santos

Daniel Zapata
(Abraham Pons)
Danton Mello
Daniel Zapata
(Abraham Pons)
Luiz Sérgio Vieira
(2ª voz)

Kokimoto Mishima
(Yoshiki Takiguchi)
Priscila Ribeiro

Jorge Del Salto
(Rafael Omar Lozano)
Fernanda Crispim

Alice
(Silvia Guzman)
Flávia Saddy

Marcelina
(Georgina Garcia)
Danielle Ribeiro

Bibi Smith
(Karen Nisembaum)
Joana Jaeger

Adriano Román
(Manuel Fernández)
Letícia Rio Branco

Firmino
(Augusto Benedico / Armando Calvo)
Jomery Pozzoli

Diretora Olívia
(Beatriz Moreno)
Sônia de Moraes

Professora Suzana
(Janet Ruiz)
Sumára Louiser

Restante do Elenco de Dublagem:

Arturo García Tenorio (Rafael Palillo ): Hamilton Ricardo

Álvaro Cerviño (Dr. Miguel Villaseñor): Sérgio Galvão e Carlos Seldl

Rebeca Manríquez (Ines Carrillo): Marisa Leal

Adriana Laffan (Luisa Palilo): Marly Ribeiro

Alejandro Tomassi (Alberto Del Salto): Júlio César

Cecilia Gabriela (Rosana Del Salto): Tereza Cristina

Raquel Pankowsky (Professora Matilde Mateuche): Dolores Machado

Johnny Laboriel (José Rivera): Mauro Ramos

Veronika Con K (Belém de Rivera): Jane Kelly

Marcial Salinas (Germano Ayala): Paulo Flores

Beatriz Ornellas (Natalia): Isis Koschdoski

Oscar Narváez (Ricardo Ferreira): Carlos Seidl e Dário de Castro

Bárbara Córcega (Helena Ferreira): Maralise Tartarine e Maria Helena Pader

Lupita Sandoval (Dorotéia): Sônia Ferreira

Professor René: Garcia Júnior

Izaías Correia
Izaías Correia
Professor, roteirista e web-designer, responsável pelo site InfanTv. Também é pesquisador da dublagem brasileira.

One Reply to “Por Trás da Dublagem: Carrossel, uma verdadeira escola de dublagem.

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