Baú da Dublagem Matérias

Baú da Dublagem – Agente 86 e o trabalho de adaptação da AIC.

Com a excelente voz de Bruno Netto, a dublagem de Agente 86 iniciou na AIC- São Paulo.

Brincando de agente secreto.

Agente 86 foi uma série que nasceu como uma paródia dos filmes e séries de espionagem nos tempos da Guerra Fria e foi apresentado originalmente pela NBC, nos Estados Unidos, de 18 de setembro de 1965 até setembro de 1969. Em seguida foi apresentada pela CBS de 26 de setembro de 1969 até 1970, num total de 138 episódios, em 5 temporadas.

A série surgiu de uma ideia de Dan Melnick, um dos fundadores da Talent Associates, que queria produzir um seriado baseado num agente secreto dentro de um gênero cômico, pois a década de 1960 foi uma época recheada por vários lançamentos de heróis espiões como James Bond e de outros personagens/agentes que se proliferaram no cinema, televisão, livros e até em histórias em quadrinhos.

Melnick se juntou a Leonard Stern e David Susskind e começou a desenvolver o projeto com o auxílio de Mel Brooks e Buck Henry. Alguns autores mencionam que o projeto fora oferecido inicialmente para a ABC, mas foi recusado pois os executivos da rede queriam Tom Poston para protagonizar o papel de Maxwell Smart. Além disso, propunham acrescentar outros personagens, como um cachorro e uma mãe para Max, o que foi rejeitado principalmente por Mel Brooks.

Diante da recusa, o projeto foi levado para a NBC que aceitou fazer o piloto da série. Mel Brooks escolheu Don Adams para o papel principal do agente secreto, depois de assistir Don na série “The Bill Dana Show”, onde ele interpretava um detetive bem atrapalhado chamado Byron Glick.

Conta-se que quando Don foi convidado a interpretar o papel ficou bastante hesitante, mas ao descobrir que Brooks e Henry escreveriam o roteiro, aceitou imediatamente o contrato para fazer a série piloto.

Agente 86, personagem protagonizado por Don Adams.

Logo em seguida, Henry convidou Barbara Feldon depois de tê-la visto num comercial da Revlon e por ter sido uma das ganhadoras de um programa em que respondia questões sobre a vida e obra de Shakespeare, para fazer o papel da Agente 99, a companheira de 86.

Para completar o trio e para o papel do Chefe do Controle, foi escolhido Edward Platt, que protagonizava um personagem sério, ponderado, mas que sofria com uma tremenda dor de cabeça por causa das atrapalhadas que Max vivia lhe arrumando.

A série recebeu várias indicações, ganhou 3 Emmys como a Melhor Série Humorística e Don Adams levou 3 de Melhor Ator de Comédia entre 1967 a 1969. O seriado foi visto em aproximadamente 50 países com grande sucesso.

Do que se tratava.

A série conta as aventuras de Maxwell Smart, um agente secreto, mais conhecido como 86, que trabalhava para uma organização secreta do governo americano chamada “Controle”, uma organização dedicada a combater a tenebrosa “Kaos”.

A Kaos era uma organização malvada formada por um conjunto de ex-oficiais nazistas, agentes soviéticos e vilões orientais. O Controle, por sua vez, eram os mocinhos, tendo sua sede em 123 da Main Street, em Washigton. Sua fachada era uma velha tinturaria que nos fundos tinha um longo corredor que levava a uma cabine telefônica, onde ao discar um número chave, permitia chegar diretamente ao décimo subsolo.

O Controle era uma organização muito respeitada e difundida por todo o mundo e esse respeito só era colocado em xeque, quando todos passavam a conhecer Maxwell Smart, o espião mais desajeitado, conhecido também por colidir com as paredes, destruir seu apartamento e as paredes que separavam seu quarto de conferência do escritório do Chefe, o chefe do Controle.

Maxwell Smart também era dono de frases incríveis e inesquecíveis como: “desculpe, por isso, Chefe!”, “vou adorar” ou o “O velho truque do revólver escondido na caneta!”, que acabou sendo usado por vários comediantes.

Max era auxiliado pela Agente 99, que embora seu nome nunca fosse realmente mencionado, é provavelmente Susan Hilton, revelado num dos episódios, mas logo negado dizendo tratar-se de uma fraude. Ela era e o cérebro de todas as operações, já que cérebro era o que mais faltava ao Max, apesar de todo o crédito ir para 86, mesmo porque ele sempre reivindicava isso.

A organização contava também com o Chefe, líder da Controle e muito amigo de Max e 99, apesar de sempre estar disposto a sacrificar a vida de 86 e 99 numa perigosa missão. Isto é claro, não significa que ele não goste dos dois, mas o trabalho vinha sempre antes da amizade.

O episódio que obteve maior audiência foi quando 99 e 86 se casaram, mas com o suceder do casamento os personagens principais começaram a perder a graça, até que em setembro de 1970, culminou com o encerramento da série.

A série no Brasil.

Com o estrondoso sucesso nos Estados Unidos alcançado pela primeira temporada, a consequência natural foi trazer a série para o Brasil. Assim, a TV Record de São Paulo adquiriu os direitos de exibição e custeou a dublagem da série.

Agente 86 estreou no dia 16 de julho de 1967, num sábado, às 18h30, antes da exibição de uma novela. A audiência no Brasil foi imediata e a TV Record utilizou como estratégia reprisar o episódio num dia da semana por volta das 17h.

Com o sucesso, a TV Record não abriu mão da série e foi adquirindo as temporadas seguintes. Dessa forma, a emissora ficou com os direitos do programa por 5 anos, exibindo-a na íntegra, com diversas alterações de dias e horários.

Já em meados de 1972, com o término da série, a Record exibia Agente 86 de segunda à sexta nos horários vespertinos, mas como a 5ª temporada não emplacou na audiência também no Brasil (devido ao casamento de Max e 99), foi retirada do ar. Entretanto a emissora exibiu todos os 138 episódios, que fizeram fãs do Agente 86 até hoje.

O seriado cômico ficou menos de 3 anos fora do ar e, em março de 1975, retornou pela Rede Globo, sendo exibido às terças e quintas após A Noviça Voadora, às 14h. Em 1976, foi retirado do ar, mas ainda teria alguns poucos episódios exibidos, em 1977, na Sessão Comédia.

Durante mais 3 anos o seriado ficou fora da televisão brasileira quando em 1980 Get Smart retornou, agora pela TV Bandeirantes. Novamente, Agente 86 fez um enorme sucesso e foi exibido até meados de 1985, tendo ocupado algumas vezes o horário nobre da emissora. Todas as 5 temporadas foram exibidas, porém cerca de 15 episódios não. O motivo: o desaparecimento da dublagem. Em 1985, a TV Bandeirantes devolveu a série à distribuidora e, entre 1985 e 1990, ocorreu o desaparecimento da dublagem das 4 primeiras temporadas. No ano seguinte a emissora trouxe as séries A Feiticeira, Jeannie é um Gênio, Flipper e Agente 86 a partir das 15h, entretanto somente a 5ª temporada foi mostrada, pois era a única com dublagem.

Em 1990, o canal a cabo Multishow trouxe a sessão Retro TV e, entre as séries escolhidas estava Agente 86. No entanto, a emissora do sistema Globosat exibiu cerca de 3 temporadas totalmente legendadas. Já, por volta de 1992/93, o seriado foi retirado do ar definitivamente.

Agente 86 só retornaria pela tv a cabo no final dos anos 2000, principalmente pelo canal TCM, mas redublado. A redublagem foi a mesma utilizada para a venda dos box em dvd da série.

Um fato curioso foi o canal TCM ainda ter exibido uma vez a 5ª temporada com a dublagem original, mas na reprise já estava redublada também.

A dublagem brasileira.

Há algumas controvérsias quanto à dublagem da primeira temporada de Agente 86. Alguns sites citam o estúdio Cinecastro, mas conversando com o dublador Bruno Netto, em julho de 2010, ele foi categórico: “a dublagem do 86 iniciou na AIC e se a memória não me falha, foi o José Soares que disse que eu tinha a voz muito parecida com a do ator. Eu terminei na Cinecastro a dublagem do 86, mas foi iniciada na AIC”.o

Bruno Netto acredita que talvez tenha sido José Soares o diretor que escalou os 3 dubladores do elenco principal. Realmente, a voz de Don Adams parece “sósia” da de Bruno Netto. Além disso, o dublador foi muito além, conseguindo captar com uma extraordinária perfeição todas as facetas de Max. O timbre de voz perfeitamente empostado, a interpretação fantástica transmitindo um humor , não só nos diálogos, mas também expressando o ator americano, de tal forma que praticamente não percebemos que era uma dublagem. A voz de Bruno Netto “brotava” naturalmente de dentro de Don Adams.

A atriz Barbara Feldon (Agente 99) foi entregue a experiente dubladora Aliomar de Matos (que estava há pouquíssimo tempo na AIC), mas que possuía uma enorme experiência do trabalho com a voz, realizada no Rio de Janeiro. Mais uma vez, ela demonstrou sua capacidade exemplar para comédia, mas também com um personagem meio sério, pois 99 era sempre a “voz da razão de 86”.

Para a dublagem de Edward Platt (O Chefe), a escolha foi também perfeita: Mário Jorge Montini. Com seu vozeirão, que sempre se enquadrava bem para vilões, aqui dublou um Chefe atormentado pelas trapalhadas de Max, com paciência excessiva. Ele demonstrou toda a experiência trazida do Rádio e também como um dos pioneiros da dublagem brasileira. O resultado foi inigualável.

Assim, as 4 primeiras temporadas de Get Smart, foram dubladas exemplarmente pela AIC. Para a adaptação de tantos episódios, estiveram presentes inúmeros dubladores como: José Soares, Arquimedes Pires, Eleu Salvador, Lucy Guimarães, Ézio Ramos, Sílvio Navas, Isaura Gomes, Hugo de Aquino Júnior, Aldo César, Maria Inês, Sílvio Matos, Xandó Batista, etc.

No início de 1970, com a transferência de Bruno Netto para o Rio de Janeiro, a quinta temporada foi dublada já no estúdio Cinecastro. Os produtores mantiveram o dublador com o personagem, porém os demais foram alterados.

Desde meados da década de 1990, pesquisamos o que realmente teria ocorrido com a dublagem da AIC e como a dublagem da quinta temporada, realizada pela Cinecastro, ficou preservada. Descobrimos que a produtora do seriado, a Talent Associates, possuía uma distribuidora para as 4 primeiras temporadas exibidas pela NBC. Já quando a quinta foi exibida pela CBS houve a mudança de distribuidora.

No Brasil, infelizmente, a distribuidora Brás Continental era a responsável pelas 4 primeiras temporadas. Esta distribuidora faliu em meados da década de 1980 e muitos filmes e séries de TV tiveram as suas dublagens literalmente apagadas.

Além de Agente 86, temos as séries clássicas: Jornada nas Estrelas, Bonanza, Missão Impossível e muitas outras, onde cometeram um verdadeiro “crime” contra a arte brasileira.

Bruno Netto, uma voz muito parecida com a do ator Don Adams.

A quinta temporada tinha como distribuidora a Warner, que conservou a dublagem até o final dos anos 2000, quando resolveu lançar em DVDs todas as 5 temporadas. Com o encerramento da Brás Continental, a Warner conseguiu, depois de muitos anos, os direitos sobre o seriado todo, porém redublou até a última temporada em nome de uma qualidade de áudio digital.

Evidentemente, redublar um trabalho tão grandioso como a série Agente 86 foi difícil. Para a dublagem de Max foi escolhido Mário Tupinambá Filho, o qual não obteve êxito com os fãs. Já José Santana marcou, com qualidade, a dublagem do Chefe, embora a direção de dublagem retirou muito da sua indignação, espanto e até o humor.

Entretanto, o caso mais grave desta redublagem foi a tradução. Parece que os tradutores não tiveram a mínima preocupação em transformar as diversas piadas americanas para formas de expressão próprias da língua portuguesa. O trabalho de tradução, aparentemente, transparece que foi realizado de forma apressada, sem o mínimo conhecimento de equivalência linguística.

Não questionamos a escolha do dublador para Max. Afinal de contas, seria impossível encontrarmos um outro Bruno Netto, notamos que Mário Tupinambá Filho, assim como os demais, foram prejudicados pela tradução e pela direção de dublagem.

O diretor de dublagem conseguiu a “proeza” de retirar todo o lado cômico de Agente 86, transformando os personagens de forma caricata. Dessa maneira, como os dubladores conseguiriam realizar um trabalho mais à altura desta série tão querida da década de 1960?

Seja como for, na realidade, é que perdemos mais uma dublagem com Arte da AIC, numa época em que, sem computadores, se realizava um trabalho com garra, qualidade, desde a tradução até a finalização do produto.

Atualmente, encontramos episódios de Agente 86 com a sua dublagem original, apenas com colecionadores que ainda conseguiram preservar esta raridade!

O nosso país também é campeão de jogar fora trabalhos artísticos da Dublagem, do Cinema e até da nossa Televisão!

Elenco de Dublagem:

Marco Antônio dos Santos
Professor, pesquisador de dublagem e responsável pelo blog Universo AIC.

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