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E Depois da AIC….?

A BKS seria a herderia da AIC – São Paulo?.

A televisão brasileira.

A televisão brasileira está comemorando 71 anos de existência. Na sua primeira transmissão a 18 de setembro de 1950, ninguém imaginaria os caminhos que seriam trilhados por dezenas de emissoras que foram surgindo.

A fase inicial da televisão é bem marcada pela TV ao vivo, muitos programas que traziam mais cultura ao povo aliado ao entretenimento. As produções ainda muito modestas contavam mais com a criatividade, com a competência daqueles que iniciaram a TV em nosso país.

Já no final da década de 1950, o número de aparelhos de TV era bem maior, assim como o número de emissoras que estava se espalhando por diversas capitais do país. Ainda não tínhamos o conceito de rede que há atualmente, dessa forma em São Paulo a TV Tupi, Paulista e a Record brigavam pela audiência, que ficaria mais acirrada com o surgimento da Excelsior em 1963.

Então as emissoras começam a sentir a necessidade de exibirem um número cada vez maior de programas para cativar o seu público. É exatamente aí, por volta de 1958, que chegam mais filmes americanos e algumas séries de TV. Mas as legendas brancas, numa TV em preto e branco, fizeram com que a dublagem fosse surgindo naturalmente já para algumas séries televisivas. Coincidência ou não, o primeiro estúdio de dublagem em São Paulo surge também em 1958, a Gravasom, no bairro da Lapa.

Seus equipamentos eram oriundos da Maristela Filmes, que havia falido praticamente um ano antes. Mário Audrá vê, através da dublagem, um grande caminho que poderia vigorar. Mas as dublagens, tecnicamente eram muito ruins devido ao equipamento herdado. Glauco Laurelli, Diretor Artístico da Gravasom, foi buscar os grandes radioatores para serem os primeiros dubladores.

A concorrência logo chegou, em 1959, com o estúdio Ibrasom, mas também sofria com a precariedade do equipamento e as dublagens levavam muito tempo para serem realizadas.

Em 1961, o então Presidente da República, Jânio Quadros, assinou a lei da obrigatoriedade da dublagem em todos os programas estrangeiros exibidos pela televisão. Na realidade, nessa época, cerca de 50% da programação estrangeira já estava sendo dublada, principalmente as séries de TV. Os filmes ainda permaneciam com as legendas.

A partir desse ano, a dublagem se expandiu em São Paulo e também no Rio de Janeiro, a fim de tentar absorver a quantidade de filmes, desenhos e séries que chegavam. A Gravasom queria ganhar mais mercado, uma vez que São Paulo era o grande Centro Artístico na época. Dessa forma, através de uma sociedade com a Columbia Pictures, o estúdio recebeu equipamentos de última geração do início da década de 1960.

Helena Samara e Zaira Nacarato, dublagem feita de forma quase artesanal.

Mesa de som no início da década de 1960.

Surge assim, a necessidade de se alterar o nome para Arte Industrial Cinematográfica São Paulo, a lendária AIC. A empresa surgiu em meados de 1962 e trouxe um áudio diferenciado, além de um elenco cada vez mais talentoso, que estava saindo das rádionovelas (já em decadência).

Durante toda a década de 1960, a AIC predominou com a dublagem, embora o número de estúdios concorrentes tivesse aumentado e trouxesse dubladores talentosos em seu quadro, casos de empresas como: Riosom, Cinecastro, Dublasom Guanabara, Tv Cinesom, Odil Fono Brasil e até a Herbert Richers.

A partir de 1970/71, a grave crise econômica afeta as emissoras de São Paulo e o estúdio já vinha apresentando alguns problemas sérios no mesmo setor. Dessa forma, a AIC mergulhou numa crise financeira fortíssima a partir de 1972/73, onde o mercado da dublagem foi migrando para o Rio de Janeiro, principalmente para a Herbert Richers.

Para os dubladores, a grande saída foi a inauguração do estúdio Álamo, em 1972, o qual absorveu quase integralmente os dubladores que haviam em São Paulo, naquele período do início dos anos 70. A AIC ainda tentava se manter, porém o número de dublagens era bem menor, dubladores não retornaram, e de 1974 a 1976, o estúdio foi se arrastando em mais dívidas e, cada vez mais, sem as emissoras confiarem no estúdio que foi o primeiro a se preocupar com a qualidade da dublagem brasileira para a televisão.

Em meados de 1976, com a falência da AIC, o mesmo casarão da rua Tibério na Lapa, foi transformado no estúdio BKS, estabelecida por sócios que sanaram as dívidas da antiga empresa, reformularam tudo que necessitava ser modernizado.

Logo após a BKS se reformular financeiramente e até tecnicamente, veio a greve dos dubladores, portanto, o estúdio realmente começou a demonstrar o seu trabalho a partir de 1979/80, período muito fértil, onde diversos filmes de Hollywood foram dublados: Janela Indiscreta, Em Algum Lugar do Passado, Tubarão I e II, A Profecia, O Homem que Sabia Demais, Festim Diabólico e muitos outros filmes de grande sucesso do cinema. Ao mesmo tempo surgem séries como: Esquadrão Classe A, As Aventuras de BJ, Chips, Super Vicky e tantas outras durante dez anos.

A BKS, na década de 1980, possuía nomes de grandes veteranos da AIC: Borges de Barros, Sandra Campos, Helena Samara, Marcos Lander, Carlos Campanile, Lucy Guimarães, Eleu Salvador, Gessy Fonseca, Dráusio de Oliveira, Waldir de Oliveira, Francisco Borges e até, eventualmente, Hélio Porto. Carlos Alberto Vaccari continuou nas narrações das aberturas, assim como começara na AIC, ficando por muitos anos nesta função. Além de novos nomes de enorme talento como Líbero Miguel.

No final da década de 1990, o número de estúdios de dublagem aumentou cada vez mais e, muitos dubladores foram seguindo outros caminhos, além de alguns terem falecido e, por algum motivo desconhecido, muitos profissionais antigos e até novos deixaram de dublar no estúdio.

Já a BKS começou a perder terreno para os demais estúdios, porém uma reforma estrutural e de equipamentos, na década de 2000, fez com que fosse considerado um dos estúdios mais sofisticados tecnologicamente do Brasil, com capacidade para diversos tipos de trabalho e, utilizando os mesmos 4 estúdios da antiga AIC, só que totalmente remodelados.

A BKS retornou para a dublagem, porém ela não conseguiu manter a mesma admiração dos fãs da AIC e até de diversos dubladores que se recusaram dublar no estúdio, motivo que coube somente as partes envolvidas solucionarem.

Assim, notamos que a linha mestra da AIC ainda foi seguida pela BKS durante a década de 1980 e, em algum momento isso se perdeu, infelizmente!

Ao contrário do que diz, a BKS não é herdeira das dublagens realizadas pela Gravasom e AIC. Foi numa outra época, outras empresas, outros dubladores, tradutores e diretores de dublagens, porém o que nos causa surpresa é o fato de ter se perdido o mesmo fio condutor da qualidade e, hoje vemos que a BKS possui um enorme potencial, mas parece talvez “aprisionado” por algum motivo.

Será que o modelo de excelentes dublagens que a BKS também realizou não se enquadra mais no quadro atual da dublagem brasileira? O estúdio foi afetado pelos mesmos problemas dos seus concorrentes? O que na realidade ocorreu com a evasão de alguns excelentes dubladores?

Atual estúdio da BKS.
Marco Antônio dos Santos
Professor, pesquisador de dublagem e responsável pelo blog Universo AIC.

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