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Morre Orlando Drummond, o ícone maior da dublagem brasileira.

Orlando Drummond morreu aos 101 anos na tarde desta terça-feira (27). Ele sofreu uma falência múltipla dos órgãos, em casa. A morte foi confirmada por familiares nas redes sociais.

O ator, famoso por interpretar o personagem Seu Peru na Escolinha do Professor Raimundo, foi internado em 20 de abril no Rio de Janeiro para tratar de uma infecção urinária.

Orlando era casado desde 1951 com Glória Drummond, com quem teve dois filhos, Orlando Lima Cardoso e Lenita Helena Drummond. O ator e dublador deixa cinco netos (Marco Aurélio Asseff, Michel Asseff Filho e os dubladores Felipe Drummond, Alexandre Drummond, Eduardo Drummond) e três bisnetos, Miguel, Mariah e Malu.

Orlando Drummond é na opinião de muitos, o maior dublador brasileiro de todos os tempos. Não apenas pelo tempo em que atuou no setor, mas pela vasta galeria de personagens expressivos para o qual emprestou a voz.

Entre os nomes dublados por Drummond estão: Scooby-Doo, Popeye, Bionicão, Dr. Kawa, Oliver Hardy, Hong Kong Fu, Gato Guerreiro, Trailbreaker, Abeleão, Vingador, Sargento Garcia, Gargamel, Frangolino, Bafo-de-Onça, Max, Coisa, entre outros.

Fora das telas era um conhecido comediante. Com o amigo Ivon Cury, o humorista rodou todo o Brasil com um stand-up comedy de três horas e meia. A ideia foi abandonada após a morte do parceiro.

Como ator, participou da Escolinha do Professor Raimundo interpretando o Seu Peru; do Zorra Total interpretando o Índio Cacique e da telenovela Caça Talentos interpretando o Zaratrusta.

Primeiros anos como rádio-ator

Orlando Drummond Cardoso nasceu em 18 de outubro de 1919 no Bairro de Todos os Santos, cidade do Rio de Janeiro. Apesar de ser descendente do Barão de Drummond (fundador do Jardim Zoológico do Rio), sua família era humilde e por essa razão não conseguia realizar o sonho de se formar em engenharia.

Precisou trabalhar logo cedo para ajudar em casa e aos 17 anos de idade foi atrás de seu primeiro emprego saindo às ruas para vender os chapéus de uma loja no centro da então capital federal, que faliu tempos depois.

Incentivado pelo pai, foi aprovado em um concurso para o Departamento Administrativo do Serviço Público, conseguindo emprego como escriturário no Ministério do Trabalho. Sem se adequar à função, pediu demissão e tornou-se vigia em um posto de gasolina.

Foi quando despertou o desejo de ser cantor e resolveu ir à Rádio Tupi para fazer um teste, foi levado por Paulo Gracindo, mas com vergonha de se apresentar em frente ao microfone acabou não cantando. Ainda assim, o diretor Olavo de Barros o convidou para trabalhar na emissora, como contrarregra, onde começou no ano de 1942.

Na Rádio Tupi, era encarregado de fazer os efeitos sonoros das rádios novelas, imitando animais, sons de passos, portas, talheres e outros efeitos que fossem necessários no programa. Ali conheceu alguns dos maiores atores da época como Procópio Ferreira, Bibi Ferreira, Carlos Machado, Olavo de Barros, Restier Jr., Tina Vita, Sonia Barreto, além de Paulo Gracindo, que como Diretor do Rádio Teatro, lhe deu a chance de se tornar um Rádio Ator.

Tornou-se a voz oficial do galo da manhã da Tupi. Na ocasião, colocaram diversos galos dentro do estúdio, mas nenhum deles conseguia cantar de maneira forte. Foi quando Orlando soltou um som de galo bem alto que o diretor dispensou os bichinhos de verdade para contratar o ator.

Começou a aparecer mais para o público em 1946 no programa Rádio Sequência G3, que na época tinha Paulo Gracindo como apresentador. Ali foi lhe dada a chance de falar para os ouvintes. Entre os personagens de destaque no início de sua carreira, interpretou Fifico Papoula – o primeiro de trejeitos afeminados.

Em 1946 já era bastante atuante como ator de rádio, participando do Grande Teatro Eucalou, programa de rádio com histórias noveladas. Ali atuou em “O Filho Que Eu Quero”, “O Rei Vagabundo”, “Juliana”, “Antônio Maria”, entre outras produções, onde em pouco tempo começou a se destacar como um dos nomes mais talentosos.

Aos poucos ganhou mais espaço dentro da Rádio Tupi, participando de outros programas como Rádio Sequência G3, Incrível, Fantástico e Extraordinário, Dois Destinos Se Encontram e finalmente Uma Pulga na Camisola, onde interpretava o índio Pataco-taco, que ao lado do amigo Otávio França ironizava a civilização branca. Ali, Drummond foi descoberto como humorista e não tardou para que chegasse à televisão. 

Em frente as câmeras...

Quando a televisão chegou ao Rio de Janeiro, Orlando logo foi chamado para atuar em frente as câmeras. Já nos primeiros dias de TV Tupi do Rio esteve no programa Escolinha do Barulho (1951), tendo Chiquinho Salles como professor.

Na Tupi participou de inúmeros programas, mas ficou eternizado com os personagens Taca-Nanuka, um garçom japonês atrapalhado em Ali Babá e os 40 Garções; e o índio Pataco-Taco de Uma Pulga na Camisola. Também atuou em programas como PRK30, Um Dia de Feira, Marmelândia, Fora do Ar, Em Casa de Família de Todo o Respeito, Rua do Ri Ri Ri e Espetáculos Tonelux.

Em 1954, foi o momento de fazer cinema, mesmo com todo ritmo agitado que a TV e o rádio lhe concediam. Esteve no filme O Rei do Movimento (1954), uma comédia estrelada por Ankito. No ano seguinte atuou em Angu de Caroço (1955), novamente ao lado de Ankito. Mas apesar da grande popularidade, fez pouco cinema.

Outros filmes que atuou ao longo da carreira foram: Bonga, o Vagabundo (1971), O Doce Esporte do Sexo(1971), O Sarcófago Macabro (2005) e Um Lobisomem na Amazônia (2005), os dois últimos dirigidos pelo cineasta Ivan Cardoso.

Na televisão esteve ainda na Tv Itacolomi (MG) e Excelsior (RJ), nessa última, em 1964, apareceu no programa Viva o Vovôdeville fazendo parte de um coral ao lado de Ary Leite, Nádia Maria, Castrinho e Tutuca. Até que retornou à TV Tupi principalmente trabalhando nos humorísticos.

Orlando trabalhou ainda nos programas: O Espetáculo Continua, Beco Sem Saída e Tribunal dos Deuses, Carlitos, Café Sem Conserto, Balança Mas Não Cai,  Risotheque, Chico Anysio Show, Escolinha do Professor Raimundo, Chico Total, Caça Talentos, O Belo e As Feras, Zorra Total, A Turma do Didi e Chico e Amigos.

Seu personagem de maior expressão em frente às câmeras foi o Seu Peru. A parceria com Chico Anysio teve início em 1982, quando Drummond foi chamado para fazer pequenas participações no Chico Anysio Show, além de ser diretor de dublagem do quadro de Bruce Kane. Quatro anos depois, ganharia seu primeiro personagem fixo no programa, o Cachorro Jorge, um cão ‘malufista’, à época em que o governo de José Sarney tentava driblar a hiperinflação.

Em 1988, foi chamado para integrar o elenco da Escolinha do Professor Raimundo, Anysio lembrou-se de outros personagens gays de Drummond e o chamou para interpretar o Seu Peru. Em 1992, com o programa sendo exibido durante a tarde, o personagem, considerado um “mal exemplo”, acabou saindo da atração, para tristeza de Drummond. O afastamento não durou muito, e logo ele retornou, permanecendo até o fim da atração, em 1995.

Em 1998, recebeu o convite para participar do Zorra Total, que seria lançado em 2000. Desta vez, a Escolinha voltava como quadro, que acabou ganhando mais espaço na programação, mas durou apenas uma temporada, chegando ao fim em 2001.

Chico Anysio e Orlando Drummond ainda voltaram a se encontrar em 2010, no encontro entre os vampiros Bento Carneiro e Vamperu, e, pela última vez, no especial Chico e Amigos, em 2011 (Chico morreria no ano seguinte). Na ocasião, Seu Peru contracenou com o personagem Haroldo, o personal trainer que só atende homens.

Graças ao personagem ganhou espaço para uma de suas últimas aparições na TV, em um episódio especial da versão mais recente da Escolinha, gravado em 2019. Na ocasião, contracenou com Marcos Caruso e foi aplaudido pelos atores da nova geração.

Scooby, scooby Doooooo...

Na década de 1950, apesar da carga forte de trabalhos, o dinheiro não era suficiente para pagar as contas e Drummond chegou a vender tintas automotivas e prestar serviços burocráticos para uma tia.

Também se aventurou na gravação de discos infantis, já que o consideravam tendo uma voz caricata por conta dos personagens que fazia no rádio. Entre as gravações estava A Orquestra de Cazuza (1955), de Ivo de Freitas, ao lado de Carequinha e Fred, na história Preguiça Mole-Mole. Até que foi finalmente chamado por Braguinha para trabalhar na dublagem.

Sua primeira atuação como dublador foi no longa-metragem da Disney Alice no País das Maravilhas, fazendo a voz da Lebre de Março. Logo vieram as dublagens de As Aventuras de Peter Pan (como o Barrica), e A Dama e o Vagabundo (Castor).

Apenas em 1958 foi que desempenhou a função de dublador como profissão, quando ingressou no estúdio ZIV, fazendo pequenas participações. Atuou em seguida na Cinelab, aonde funcionava os estúdios da Herbert Richers.

Um dos primeiros destaques da carreira de dublagem foi o Sargento Garcia na série Zorro, produzida pela Disney. Em seguida trabalhando na Herbert Richers, onde ficou de 1958 a 2010, foi o Popeye, Scoby-Doo, Moleza (O Gordo e o Magro), Hong Kong Fu, Bionicão, Fred (Super Galo).

Na década de 1960 também foi diretor de dublagem  na Riosom, trabalhando em produções como Fúria do Céu. Em 1965 foi eleito o 2º tesoureiro da primeira associação de dubladores brasileiros.

Na década de 1980 emplacou outros personagens de destaque como Gargamel (Smurfs), ALF, Vingador (Caverna do Dragão), Gato Guerreiro (He-Man), Max (Casal 20), Abeleão (Wuzzles), Coisa (A Coisa), Harry Fox (Faro Fino), entre tantos outros.

Foi a voz principal de atores como: Desmond Llewelyn, Oliver Hardy Jack Warden, Walter Mathau, Pat Hingle, Gene Hackman e Martin Landau.

Ao longo dos anos trabalhou em diversos estúdios como Dublasom Guanabara, Riosom, Tecnisom, Telecine, VTI, Delart, Cinevídeo, Double Sound e Audionews.

Ele se definiu uma vez numa entrevista que deu ao InfanTv: “eu sou o Papa da dublagem”. Tinha vários recordes batidos, entrou para o Guinness Book, o livro do recordes, por dublar o personagem Scooby Doo por mais de 35 anos. Também foi o profissional com mais idade gravando, pois  aos 99 anos entrou no estúdio para dublar o Vingador, de A Caverna do Dragão, para a propaganda de uma marca de carros. 

Os últimos anos.

Orlando Drummond não teve histórico de grandes problemas de saúde durante a maior parte da terceira idade.

Em 2015, começou a apresentar alguns quadros de tontura. No mesmo ano, sofreu um acidente em sua casa, fraturando quatro costelas e precisando ser internado. Em 2016, aos 96, sofreu uma queda de pressão e caiu da escada, fissurando o fêmur.

Em janeiro do ano passado, mesmo debilitado pela idade, ele não deixou de prestigiar o lançamento de sua biografia, Orlando Drummond Versão Brasileira, escrita por Vitor Gagliardo. Ele chegou de cadeira de rodas, sorridente e foi ovacionado pela legião de fãs que fizeram questão de ver de pertinho o artista

Em abril de 2021, já aos 101 anos, o ator foi internado com um quadro grave de infecção urinária. Até que na tarde dessa terça-feira veio a falecer vítima de uma falência múltipla dos órgãos.

Izaías Correia
Professor, roteirista e web-designer, responsável pelo site InfanTv. Também é pesquisador da dublagem brasileira.

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