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Magnum, P.I. e a Voz que Virou Ícone: O Legado de Francisco Milani – Sons da Memória

  

Mais do que virar ícone da TV dos anos 80, o detetive havaiano protagonizou uma revolução na dublagem brasileira — com Francisco Milani exigindo voz, presença e crédito.

A Série que Nasceu do Calor das Ilhas.

No início dos anos 1980, a CBS se viu com um dilema e uma oportunidade: o fim do longevo Havaí 5-0 deixava um vazio na grade… mas os cenários e equipamentos caros estavam prontos para uso. A saída? Criar uma nova série ambientada no paraíso.

O produtor Glen A. Larson foi convocado para a missão e criou um personagem à moda antiga, com charme à la James Bond, mas com um toque despojado e californiano: Thomas Sullivan Magnum.

O projeto foi oferecido inicialmente a Robert Conrad (o eterno James West), mas quem acabou cativando os executivos foi Tom Selleck, até então um rosto secundário da TV. Quando o piloto foi aprovado, os roteiros passaram pelas mãos de Donald Bellisario, que suavizou o personagem e moldou Magnum como um herói mais próximo do estilo Jim Rockford — irônico, sedutor e meio preguiçoso.

O timing foi tão certeiro quanto arriscado. No auge das negociações, Spielberg e Lucas bateram à porta oferecendo o papel de Indiana Jones a Selleck. A Universal vetou sua saída e Os Caçadores da Arca Perdida ficou com Harrison Ford. O que poderia ter sido uma tragédia profissional acabou se tornando um triunfo: Magnum, P.I. estreou no dia 11 de dezembro de 1980 e transformou Tom Selleck num ícone da década.

Ferrari, Dobermans e Casos para Resolver.

Tom Selleck, no Brasil teve a voz de Francisco Millani

Magnum, P.I. gira em torno de um ex-combatente do Vietnã que troca a guerra por um estilo de vida boêmio e cheio de aventuras no Havaí. O detetive Thomas Magnum vive na luxuosa mansão de Robin Masters (voz de Orson Welles), um escritor milionário que permite sua estadia em troca de serviços de segurança.

A mansão é administrada com pulso firme por Higgins (John Hillerman), um ex-sargento britânico que comanda dois dobermans — Zeus e Apollo —, quase sempre à caça de Magnum. Entre investigações, flertes e perseguições, o detetive conta com dois parceiros de guerra: TC (Roger E. Mosley), piloto de helicóptero que faz passeios turísticos, e Rick (Larry Manetti), dono de uma boate e cheio de contatos.

Com tramas que mesclavam ação, drama policial e uma boa dose de humor, a série conquistou o público pela leveza tropical, pelas paisagens exuberantes e pelo carisma de seu protagonista.

Higgins, brilhantemente feito por Darcy Pedrosa

Durante os anos 80, Magnum se tornou um fenômeno global. A série venceu o Emmy de Melhor Série Dramática em 1984 e alçou Tom Selleck ao posto de astro definitivo da televisão americana.

O programa também foi pioneiro ao explorar traumas de guerra em um protagonista de ação, sem perder a leveza do entretenimento semanal. A sétima temporada caminhava para o cancelamento, e o episódio final mostrava Magnum sendo morto… mas a reação dos fãs foi tão intensa que a CBS renovou para uma oitava e última temporada, transformando o desfecho anterior em um “meio sonho”.

Em 1988, Tom Selleck — já cansado do papel e com pretensões no cinema — decidiu encerrar o ciclo. O final foi agridoce e simbólico: Rick se casa, TC reencontra a família, Higgins insinua ser Robin Masters… e depois nega. Magnum, por sua vez, volta à Marinha. A última cena mostra Selleck olhando para a câmera e dizendo: “Boa noite”. Era o adeus de um personagem que havia conquistado o mundo.

Um Bigode no Horário Nobre.

A estreia de Magnum no Brasil aconteceu na Rede Globo, no dia 2 de dezembro de 1981, com a exibição do longa-metragem que serviu como piloto da série, apresentado como um especial de fim de ano. Em janeiro de 1982, o programa passou a integrar a grade oficial da emissora, no cobiçado horário nobre das segundas-feiras.

Em 1985, a Globo estreou episódios inéditos na faixa “Terça Nobre”, mantendo o prestígio da série. Em 1987, Magnum passou para o final das tardes de domingo e, em 1989, era exibido aos sábados. Nesse mesmo ano, saiu da programação da emissora, que apresentou a série completa.

Magnum foi resgatada em 1990 pela TNT Brasil, já na era da TV por assinatura. A emissora exibiu todos os episódios, inclusive a última temporada com legendas. Mais tarde, a série também seria reapresentada pela Rede Brasil.

Elenco de Magnum, sucesso nas tardes de domingo brasileiras

Uma Voz que Virou Personagem.

A dublagem brasileira de Magnum é uma aula de casting e direção. Sob o comando de Alberto Perez (com as últimas temporadas dirigidas por Ângela Bonatti), o estúdio Herbert Richers escalou vozes que se tornaram tão marcantes quanto os próprios personagens.

A dublagem brasileira foi determinante para o sucesso nacional. O humor elegante de Magnum casou perfeitamente com a interpretação de Francisco Milani, cuja voz grave e espirituosa marcou uma geração. A dobradinha Selleck–Milani foi tão icônica que o próprio Milani chegou a parodiar o detetive em Armação Ilimitada, interpretando o Chefe da Zelda.

Milani não apenas dublou — ele viveu o personagem. Sua entrega foi tão marcante que ultrapassou os estúdios e chegou ao debate público sobre a valorização dos dubladores. Em 1987, em entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa, Milani foi um dos primeiros a levantar a bandeira pela inclusão do nome dos dubladores nos créditos dos programas de TV. “Deveria ter uma ficha técnica antes do filme, citando o nome dos dubladores”, defendia o profissional na época.

Esse posicionamento mostra o pioneirismo de Francisco Milani não apenas como intérprete, mas também como voz ativa na luta pelo reconhecimento da categoria — algo que décadas depois ainda é pauta no meio artístico.

Inicialmente Milani dublou durante apenas um ano a série. Em seguida, com o sucesso do programa, o dublador em entrevista ao Vídeo Show recorda que foram cinco anos seguidos fazendo o personagem.

A adaptação da Herbert Richers conseguiu manter o charme da série e, em muitos momentos, melhorá-lo. O trabalho de Milani transformou um detetive relaxado em um herói absolutamente carismático e brasileiro. As atuações secundárias também são sólidas e bem distribuídas, com destaques para Márcio Seixas e Darcy Pedrosa, em performances equilibradas e inesquecíveis.

Magnum não foi apenas um sucesso de audiência ou um marco entre as séries dos anos 80. Para o público brasileiro, a série representa um raro caso de simbiose perfeita entre ator e dublador. Francisco Milani, que faleceu em 13 de agosto de 2005, fez de Thomas Magnum sua assinatura definitiva na dublagem.

Mais do que o trabalho mais marcante de sua carreira no estúdio, Magnum se tornou uma espécie de espelho vocal: até hoje, é quase impossível ouvir a voz de Milani em qualquer outra produção sem imediatamente lembrar do detetive havaiano, de seus comentários sarcásticos, do bigode carismático e da Ferrari vermelha cruzando as estradas de Oahu.

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Izaías Correia
Professor, roteirista e web-designer, responsável pelo site InfanTv. Também é pesquisador da dublagem brasileira.