Com Márcio Seixas fazendo a voz de Charlton Heston, a dublagem de Ben-Hur superou o tempo.
Uma produção colossal.
A terceira adaptação cinematográfica baseada na obra Ben-Hur: Um Conto do Cristo (Lew Wallace – 1880), até hoje é uma das referências do cinema supremo. Ben-Hur, o épico da MGM (Metro-Goldwyn-Mayer) de 1959 é visto como uma produção grandiosa em inúmeros sentidos, partindo da duração, ambição, produção e naturalmente sua qualidade final.
Mais de duzentos camelos, 2 mil cavalos e 10 mil figurantes foram usados durante as filmagens. A pós-produção durou cerca de seis meses, com a batalha marítima sendo realizada usando miniaturas em um grande tanque de água em Culver City. A corrida de bigas de nove minutos de duração se tornou uma das sequências mais famosas do cinema, enquanto a trilha sonora de Miklós Rózsa é a mais longa já composta até hoje.
Mas nenhuma produção imponente alcançaria êxito se não tivesse um primoroso elenco para desempenhar na tela o enredo proposto. E nesse aspecto Ben-Hur está muito bem servido. Charlton Heston (Judah Ben-Hur) dá um show numa atuação que lhe rendeu o Oscar, acompanhado de nomes como os de Stephen Boyd (Messala), Haya Harareet (Esther), Jack Hawkins (Quintus Arrius), Martha Scott (Miriam), todos brilhantemente colocados na tela em atuações de encher os olhos. Hugh Griffith fazendo o Xeique Ilderim, também merece ser reverenciado pela arrebatadora atuação que lhe rendeu o Oscar de melhor ator coadjuvante.
Dirigido por William Wyler, a produção conta a trajetória do príncipe que dá nome a ela, que após um acidente, é traído por seu amigo de infância romano Messala, e assim preso. Enviado as galés o protagonista salva a vida do cônsul Quinto Arrio e é libertado voltando para colocar em prática sua vingança contra Messala. Durante sua sofrida jornada, os caminhos de Ben-Hur vão se cruzando com o de Jesus Cristo, trazendo inúmeras referências bíblicas e dando uma veracidade maior ao personagem de Lew Wallace.
O longa pegou uma MGM escorregando para a falência e dando aquilo que seria sua última cartada em busca de uma recuperação financeira. O estúdio se arriscou a investir na produção um valor recorde na época — de US$ 15 milhões —, que terminou por faturar cinco vezes esse total. Indicado para 12 Oscars, venceu 11, um recorde que só seria igualado quase 40 anos mais tarde, quando Titanic, de James Cameron, também ganhou 11 estatuetas na premiação da Academia, em 1997.
Um espetáculo de imagens, um som em português à altura.
Depois de acumular salas de cinemas cheias, em torno do mundo, o filme chegou finalmente à televisão brasileira, 25 anos após o seu lançamento. Naquela ocasião, a Rede Globo vinha investindo de forma acentuada na aquisição de grandes sucessos cinematográficos. Só em 1984 já tinha exibido Com 007 Só Se Vive Duas Vezes, Tubarão, Superman, O Rei dos Reis e Inferno Na Torre, mas Ben-Hur era tratado como a cereja do bolo do acervo.
O trabalho de William Wyler foi exibido na emissora em duas partes, nos dias 4 e 5 de setembro dentro de uma faixa intitulada Cinema Especial às 21h30 após a novela Partido Alto.
Paulo Perdigão, programador de filmes da Globo na época, sabia que enviá-lo a Herbert Richers para receber vozes brasileiras, era garantia de que o título não teria sua qualidade comprometida. O estúdio, no início dos anos 80, possuía além de equipamentos avançados, um elenco de vozes capaz de entregar uma dublagem à altura de Ben-Hur. Essa qualidade era a missão de Herbert Richers que costumava repetir: “nada vende mais do que qualidade”.
Telmo de Avelar ficou encarregado da direção de dublagem e para abraçar o desafio de comandar uma produção de quase quatro horas, que exigia interpretações intensas, com um elenco gigante, tendo que repetir o mínimo de vozes possível, não teve dúvida, cercou-se dos melhores profissionais que o estúdio tinha na época.
Sobre a dublagem.
“Eram cenas feitas artesanalmente.”
Márcio Seixas
Para encabeçar a dublagem Telmo pensou em Márcio Seixas, que na ocasião tinha um ritmo profissional bastante intenso, atuando como locutor na Rádio JB, onde apresentava um programa de músicas clássicas, dublador e locutor de comercais.
No setor da dublagem Seixas vinha realizando poucos trabalhos de expressividade, como Jim Rockford (Arquivo Confidencial) e Ken Hutch (Justiça em Dobro), então fazer a voz brasileira de Judah Ben-Hur foi um marco na carreira do dublador. “Um dia eu cheguei pra dublar e o Telmo de Avelar disse assim pra mim: ‘você deve ter assistido Ben-Hur, né?’, e eu: ‘Se assisti? Imagina, Cine São José, nunca vou me esquecer, Rua Platina em Belo Horizonte.’ Eu sai do cinema fascinado por aquele espetáculo. Ele falou: ‘pois você será o Ben-Hur’. Eu achei que era brincadeira dele. Eu já estava bastante satisfeito por fazer os papeis principais dessas duas séries, mas ser escolhido para fazer o Ben-Hur, rapaz eu fiquei numa emoção que você não pode imaginar!”, comenta Márcio Seixas.
O trabalho abriu a oportunidade Seixas fazer pela primeira vez a voz brasileira do Charston Heston, que no Brasil já tinha recebido a dublagem de Arquimedes Pires (El Cid na AIC – São Paulo). A partir de então começou a emprestar sua voz e talento a outras produções com Heston como protagonista, casos de O Maior Espetáculo da Terra, A Selva Nua, Os Dez Mandamentos, El Cid (segunda dublagem) e A Maior História de Todos os Tempos.
Sobre o elenco.
“Ilka Pinheiro fazendo a mãe do Ben-Hur, uma interpretação de dar nó na garganta .”
Márcio Seixas
Algumas outras respeitáveis interpretações do longa-metragem careciam de vozes à altura e a Herbert Richers tinha essas vozes. Judah protagoniza boa parte das cenas de intensidade dramática com o chefe da guarda Messala, e para fazê-lo na versão em português foi chamado o detalhista Newton da Matta que nos proporciona um orgulhoso antagonista, com técnica e atuação irreparáveis. “Chegar ao estúdio para dublar Ben-Hur e encontrar o nome do Da Matta, Dario Lourenço, Vera Miranda, Ilka Pinheiro, fazendo a mãe do Ben-Hur numa interpretação de dar nó na garganta de fazer chorar, que trabalho extraordinário! Que cena comovente naquela leprosário, o trabalho da Ilka Pinheiro, a voz sofrida!”, lembra Seixas. “Era um elenco extraordinário”.
Além dos consagrados nomes da Herbert Richers como os principais personagens, a dublagem de Ben-Hur se dá ao luxo de ver pontinhas com talentosos dubladores, habituados a fazer protagonistas, casos de: Sílvio Navas, André Luís “Chapéu”, Ionei Silva, Marcos Miranda e José Santa Cruz. Também ouvimos vozes que não tiveram permanência longa nesse setor como Clemente Viscaino e Silas Martins.
Não bastasse o elenco fabuloso, a direção de Telmo de Avelar pode ser notada em cada cena. O dublador que era convidado para trabalhar num filme dirigido por ele sentia-se valorizado, pois Avelar era uma figura muito culta e exigente, que quando contrariado podia até mostrar aspereza, mas sua dedicação para encontrar a perfeição na dublagem era notável. Márcio recorda: “Telmo era uma pessoa extremamente rigorosa na interpretação, na articulação das palavras. Eu devo o narrador que sou a ele, porque ele era absolutamente meticuloso e muito emocional”.
A dublagem das 3 horas e 44 minutos de filme, foi realizada no final de 1983 no Estúdio B da Herbert Richers e durou uma semana para ficar pronta, com gravações que iniciavam às 8h45 e terminavam às 19h. Ao final de cada cena, Telmo repassava inúmeras vezes, olhando cada segundo de sincronia para detectar qualquer pequena imperfeição que pudesse ser sanada.
Sobre Isaac Bardavid.
“Pra mim vale pelo filme inteiro a participação do Isaac Bardavid…”
Márcio Seixas
O resultado final da dublagem brasileira de Ben-Hur está notável, nos levando a uma experiência tão agradável quanto assistir com o áudio original. Não há perda de talento, tão pouco de sentido no trabalho em português.
O primeiro lançamento do filme em DVD por aqui ignorou-se completamente a faixa de áudio dublada, o resultado é que os discos se acumularam nas prateleiras levando a Warner a lançar anos mais tarde a Edição de Colecionador, onde a dublagem da Herbert Richers foi adicionada. Esse trabalho de adaptação também pode ser ouvido no Blu-ray e nos canais por assinatura.
Ao assistir Ben-Hur se optar pela dublagem brasileira tenha certeza de se deparar com um trabalho com o selo de qualidade Herbert Richers!