Entrevista realizada por Izaías Correia
Guilherme Neves Briggs nasceu no Rio de Janeiro no dia 25 de julho de 1970. É ator, dublador, diretor de dublagem, locutor, tradutor, desenhista, youtuber e blogueiro.
De imenso talento e voz marcante, Briggs é conhecido pela entrega nos papeis que dubla, exigindo sempre o melhor de sua performance.
Na sua galeria de importantes trabalhos podemos destacar o Freakazoid, Buzz Lightyear (Toy Story), Cosmo (Os Padrinhos Mágicos), Optimus Prime (Transformers), Hawk Moth (Miraculous: As Aventuras de Ladybug), Superman (Liga da Justiça), Samurai Jack e Mickey Mouse (2009 a diante). Também espresta sua voz a atores como Denzel Washington, Brendan Fraser, Owen Wilson, Zachary Quinto, David Schwimmer, Dwayne Johnson, Seth Rogen e Julian McMahon.
Recentemente chamou a atenção por seu brilhante trabalho fazendo o personagem All Might para o longa My Hero Academia: 2 Heróis, comemorado por fãs do dublador e do anime.
Aqui conversamos com Briggs sobre sua atuação dando voz a Toshinori Yagi.
“O All Might foi uma grande alegria pra mim e pros meus fãs, sem dúvida.
Guilherme Briggs
Dublagem Brasileira – Guilherme, você já tem uma longa caminhada na dublagem, certo?
Guilherme Briggs – Dublo desde 1991, são quase 30 anos de profissão. Mas desde criança bem pequena eu sempre amei arte, seja na forma de desenho, pintura ou atuação. Meu pai e eu produzíamos áudio contos durante vários fins de semana, com um gravador velho e um toca-discos (ou com meu pai tocando violão, pra fazer a trilha sonora de fundo).
Dublar, desenhar, criar, é sempre uma eterna viagem de volta à infância, repleta de sentimentos bons e iluminados.
DB – Você é fã de animes e mangás?
GB – Muitos me perguntaram quando comecei a gostar de animes e mangás. Foi com Speed Racer nos anos 70 e depois Patrulha Estelar e Don Drácula, exibidos a partir de 1983 no Clube da Criança da Rede Manchete. Eu tinha 13 anos. Sou fã a pelo menos 40 anos.
A cultura japonesa sempre esteve presente no meu interesse, portanto. Sou fã de vários animes como Maison Ikkoku (da criadora de Inuyasha), Cowboy Bebop, Berserk, Mahou Tsukai Tai!, todos do estúdio Ghibli.
DB – Aí veio My Hero Academia.
GB – Sim, meu primeiro contato com My Hero Academia foi no mangá e já achei muito interessante um mundo onde a maioria da população tinha poderes especiais e o trabalho de super-herói era comum e almejado por muitos jovens aspirantes. O imenso coração de Midoriya e de seu grande ídolo, All Might, me comoveram por completo, imediatamente gostei deles. Acompanhar o anime foi um pulo natural.
Como sou assinante da Crunchyroll, imediatamente comecei a assistir os episódios, maratonando diariamente. Consegui comprar também todos os volumes dos mangás e os especiais. Com isso, me aprofundei em todo o universo de My Hero Academia. Atualmente estou assistindo conforme liberam do Japão os episódios da quarta temporada.
DB – Como é a relação do dublador do All Might e seus fãs na internet?
GB – Uma coisa que acho deliciosa é poder bater papo, trocar experiências e sensações, brincar e compartilhar memes do anime com os meus seguidores. A gente dá muitas risadas e se emociona juntos, o que deixa a experiência toda mágica pra todos.
O All Might foi uma grande alegria pra mim e pros meus fãs, sem dúvida. É comovente ver o quanto eles ficam felizes com a escolha de minha voz para um personagem tão querido. Vou guardar sempre isso comigo no coração.
DB – É verdade que quando você fez o teste de voz para o All Might estava machucado e sentindo dores?
GB – Sim, é verdade! Eu tinha desmaiado no estúdio e batido com a costela no chão, o que me deixou pelo menos uns 4 meses com dores, não podendo dormir direito ou me movimentar. No dia do acidente estava fazendo muito calor no Rio de Janeiro e eu tinha passado por um estresse muito grande, decorrente a preocupação minha com minha mãe em um problema familiar que infelizmente tivemos, mas que agora se resolveu. Eu cheguei a pensar que tinha problema no coração, mas depois dos exames soubemos que era estafa mesmo, foi emocional, um acúmulo de preocupação minha.
Quando fui chamado pro teste do All Might pelo querido Renan Vidal, eu estava ainda sentindo muitas dores até para falar mais alto, quanto mais gritar ou fazer reações do personagem. O teste todo foi gravado com bastante sofrimento, confesso. O curioso é que o ferimento que o All Might tem é do mesmo lado da costela que o meu. Isso foi no mínimo tragicômico. Até hoje eu comento esse detalhe em palestras e todos damos risada, claro.
DB – Pelo fato de morar no Rio de Janeiro e a série possivelmente ser dublada em São Paulo, a distância entre os dois estados e sua agenda de trabalhos e compromissos concentrada no Rio seriam empecilhos dublar o All Might?
GB – Notei que muitos fãs nas redes sociais temiam isso da troca de minha voz pela de outro colega por conta da distância, com minha agenda toda aqui no Rio. Eu posso garantir aos fãs, definitivamente, que o fato de My Hero Academia ser dublado em São Paulo não mudaria absolutamente nada pra mim. Não criaria jamais uma dificuldade. Pelo All Might eu iria a São Paulo dublar ele com 100% de certeza.
Fui testemunha de lindas mensagens carinhosas de fãs na internet até sugerindo custearem minhas passagens, coisa que jamais aceitaria. Aproveito até este momento para me dirigir diretamente aos meus seguidores e fãs para dizer algumas palavras: Eu jamais iria deixar vocês gastarem dinheiro com isso. Eu pagaria com todo amor e carinho todos os meus custos de viagem, de coração, caso o estúdio não tivesse orçamento para isso. E se ficarem caras demais as passagens aéreas, eu posso ir de ônibus, bem tranquilo. Eu levaria meus livrinhos no Kindle pra ler, tem Netflix no celular, músicas pra ouvir, etc. Eu dou um jeito em minha agenda e me programo pra ir gravar o All Might. É só uma questão de me organizar, sem problema algum pra mim. Eu iria fazer uma viagem tranquila até São Paulo pra dublar um personagem que eu amo.
DB – Outro medo bem compreensível dos fãs de My Hero Academia é caso ocorram trocas de algumas vozes do longa animado para a série, caso a dublagem desta aconteça. Quais seriam os motivos para isso ocorrer?
GB – Trocar as vozes por falecimento do dublador, indisponibilidade do dublador com os prazos, doenças, acidentes, tudo bem, faz parte da vida. Mas um estúdio de dublagem trocar por trocar uma voz já oficial não é uma decisão ética, produtiva ou inteligente, ao meu ver. Tem que ter um motivo para isso acontecer. Ainda mais que todos os dubladores fizeram teste de voz para os personagens do longa animado de My Hero Academia e foram aprovados, tanto pelo cliente quando pela larga aceitação do público, que comemorou muito quando assistiu nos cinemas e posteriormente na tv a cabo.
Recebemos elogios até hoje por essa dublagem, dirigida pela querida Úrsula Bezerra, que teve o máximo de profissionalismo, respeito e cuidado com a obra. O longa animado de My Hero Academia foi um imenso sucesso em todos os sentidos. Por isso, se a série cair em um estúdio responsável e preocupado com a qualidade acima de tudo, este com certeza irá manter com prazer as vozes aprovadas do primeiro longa animado.
DB – Conte sobre a união e amizade dos dubladores do longa animado de My Hero Academia. Vocês chegaram até a criar um mini-evento para os fãs!
GB – Quando a dublagem do primeiro longa de My Hero Academia foi encomendada para a Unidub pela SatoCompany, resolvemos criar um grupo no whatsapp para podermos conversar, nos organizar e trocar informações e coisas divertidas também. A Sato organizou algumas participações em eventos, palestras com o elenco e isso fez com que tivéssemos que ficar em contato mais constante. Com isso eu pude ir conhecendo pouco a pouco meus colegas e me afeiçoando por eles, pois não conhecia mais profundamente vários ali ainda. Isso foi muito bom e prazeroso pra mim.
Quando infelizmente uma sessão do filme com a presença dos dubladores teve que ser cancelada, nós no grupo tivemos uma ideia que me emociona até hoje: Resolvemos nos juntar e dividir meus custos de passagens aéreas e hotel para que pudéssemos atender os fãs em um restaurante temático, o Bar Gibi Cultura Geek, em São Paulo. Com a extrema boa vontade dos donos do estabelecimento, conseguimos tirar fotos, dar autógrafos e conversar um pouquinho com todos os fãs, que enfrentaram filas imensas e um frio congelante, do lado de fora. Mas quando estes entravam, no ambiente quentinho e acolhedor, se enchiam de felicidade e emoção, assim como nós, dubladores. Ganhamos abraços, beijos, presentes e todo carinho do público.
DB – Sua escalação para fazer o All Might foi comemorada por fãs de animes, isso porque sua relação com eles nas redes sociais é intensa. Conte um pouco da experiência do que é dublar para um público tão exigente!?
GB – Eu realmente fiquei impressionado com o imenso carinho e os diversos pedidos dos fãs nas redes sociais para que eu dublasse o All Might. Foi uma verdadeira comoção quando o resultado saiu.
Recebo até hoje diversas mensagens carinhosas, divertidas, cheias de energia positiva. Me enviam também muitos desenhos meus caracterizado como o próprio All Might, caricaturas, memes diversos e muitas vezes enviam até cartas e presentes, bonecos, esculturas, pinturas e outras coisas para a Delart, estúdio que trabalho aqui no Rio e que acabou virando o local de envio de correspondência pra mim – graças a boa vontade e
gentileza dos donos da empresa, que sempre me trataram com todo respeito e carinho.
A torcida é imensa para que eu seja escalado para a dublagem do All Might na série. O mesmo acontece com todos os meus colegas e amigos dubladores que participaram da dublagem do longa animado My Hero Academia: Dois Heróis – o público deseja muito que as vozes sejam mantidas na série.
DB – Como foi a composição de voz do Toshinori Yagi?
GB – Como eu já estava assistindo o anime e lendo o mangá, já tinha uma ideia mais aprofundada de como iria fazer a versão brasileira do personagem. Lembro de até tirar o som da TV e ficar falando por cima da imagem, praticando, pra ver como estava ficando, depois que soube que tinha passado no teste.
Devemos sempre lembrar que a versão original sempre irá carregar nas vozes dos personagens toda a emoção que encontra sua resposta sensorial direta no público do país. No caso dos animes, as vozes originais conversam e puxam as emoções mais profundas e enraizadas dos japoneses. Da mesma forma que, quando ouvimos um talentoso ator brasileiro interpretando, seremos tocados e movidos por universos de sensações variadas, que somente um nativo daqui saberia explicar. Por isso que eu sempre falo que filmes bem dublados em português emocionam ainda mais do que no original. Pois estamos falando a mesma língua e passando as emoções que brasileiros imediatamente se identificam: a resposta sensorial é imediata. Quando uma dublagem é mal feita, de baixa qualidade, logo nos descolamos o áudio dos personagens e aquilo começa a nos incomodar e até irritar. Se vemos um trabalho de dublagem de excelente qualidade, com interpretações naturais, verdadeiras, fluidas, com texto bem adaptado e solto, condizente com a história e com os personagens, nem parece que ouve uma inserção de áudio em português em um filme falado em língua estrangeira.
DB – A tradução e a adaptação são fundamentais para o sucesso de um anime. Pode dar algumas considerações a respeito?
GB – Traduzir é uma arte, eu cada vez mais percebo isso em quase 30 anos de profissão. Qualquer versão brasileira de uma obra estrangeira deve ter um profundo embasamento através de muita pesquisa. Mas esses estudos e cuidados de nada adiantam se o tradutor não tiver uma grande sensibilidade, criatividade e equilíbrio, para entender o que funciona na versão em português. De nada adianta uma tradução extremamente fiel em cada aspecto se ela fica fria, distante e descolada de uma realidade natural para nós brasileiros. A adaptação é fundamental e é a chave para um trabalho que toque o coração do público.
Se você traduz frases extremamente fiéis ao japonês, ao russo, ao francês, alemão ou seja qual língua for, mas não consegue extrair para a versão a alma e o sentimento do que está sendo dito, de nada adiantará. Tradução é um trabalho difícil, subjetivo, depende de vários pontos de vista e de escolhas feitas pelo tradutor. Por isso que considero uma verdadeira arte, exige muito do intelecto, da maturidade e sensibilidade de quem traduz.
Adoro ver como autores brasileiros do passado traduziam e se debruçavam em soluções para textos estrangeiros, como Machado
de Assis, que foi um homem de muitos talentos, como todos sabemos. Mas poucos sabem que além de um grande escritor, ele também se aventurou no campo da tradução. Entre suas obras traduzidas mais conhecidas estão “O Corvo”, de Edgar Allan Poe, e “Oliver Twist”, de Charles Dickens. Além de escritora, Cecília Meireles era professora, pedagoga e jornalista. Ela traduziu obras importantes da literatura mundial, como “Orlando”, da Virginia Woolf, antologias de poesias israelenses, e escritores chineses. Monteiro Lobato, além de escrever livros para crianças e adultos (do Sítio do Pica Pau Amarelo) chegou a adaptar os textos de Grimm, Andersen e Lewis Carroll, entre outros.
DB – Guilherme, muito obrigado por esse bate papo. Eu gostaria que você deixasse uma mensagem para os fãs de My Hero Academia…
GB – Gostaria de tranquilizar todos os fãs e público que todos os dias, praticamente, me perguntam se irei dublar o All Might na série de My Hero Academia. Se depender exclusivamente de mim a resposta é SIM, com 100% de certeza! Que fique claro que eu ACEITO, eu POSSO e eu QUERO dublar a série.
Eu quero continuar a dublar o All Might e me esforçarei para que isso aconteça, com toda dedicação e carinho. Acho importante deixar isso bem explícito, pois tenho notado uma emergente preocupação do público com a manutenção ou não de minha voz no All Might. Por isso se faz necessário esse reforço. Vou me empenhar ao máximo para entregar um trabalho feito com muito coração para o público. Dublar o All Might na série de My Hero Academia será sem dúvida um dos momentos mais felizes e emocionantes de toda a minha carreira de 30 anos, para guardar e recordar para sempre.